terça-feira, 28 de julho de 2009


E agora, José?
A festa acabou
a luz apagou
o povo sumiu
a noite esfriou
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome
que zomba dos outros
você que faz versos
que ama protesta
e agora, José ?

Está sem mulher
está sem discurso
está sem carinho
já não pode beber
já não pode fumar
cuspir já não pode
a noite esfriou
o dia não veio
o bonde não veio
o riso não veio
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou
e agora, José ?

E agora, José ?
Sua doce palavra
seu instante de febre
sua gula e jejum
sua biblioteca
sua lavra de ouro
seu terno de vidro
sua incoerência
seu ódio - e agora ?

Com a chave na mão
quer abrir a porta
não existe porta;
quer morrer no mar
mas o mar secou;
quer ir para Minas
Minas não há mais.
José, e agora ?

Se você gritasse
se você gemesse
se você tocasse
a valsa vienense
se você dormisse
se você cansasse
Mas você não morre
você é duro, José !

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato
sem teogonia
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope
você marcha, José !
José, pra onde ?

JOSÉ (Carlos Drummond de Andrade)

Um comentário:

  1. Amiga, vizinha, magnânina!! Parabeńs pela iniciativa!! É isso, basta algo no ar para termos uma poesia na pota da língua!
    Adorei!

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