sábado, 3 de julho de 2010


Imagina que sou Tua.




Eu armo cena! Eu armo cena, moreno. Primeiro, eu procuro saber dos teus caminhos. E sei. Descubro todos os teus passos e te persigo numa pose fantasmagórica. Faço cara de recém-saída do manicômio, e você debocha de mim. Pobre de você, que nem sabe que a loucura maior é te amar assim, desvairadamente. Me deixa te amar? Te amar, sim! Te amar sem receitas. Te amar sem.

E você não olha pra mim! Por que você não olha pra mim? E se eu pintar minha boca num vermelho sangue? Se eu te sussurrar sacanagens ao pé do ouvido, mordiscar teus lábios, rir um riso de terceiras intenções? Se eu subir no salto, naquele vestido vinho que desenha minhas curvas, com um decote que deixa minhas costas inteiras de fora? Se eu prender meus cabelos no alto e deixar teus dedos passearem em minha nuca para depois se perderem no meu corpo inteiro? Se eu elogiar teu perfume barato que me faz espirrar? E se eu fizer cena, moreno? Se eu cantar embaixo da ponte? Será que assim, você me olha? Me olha!

Eu quebro a garrafa na mesa do bar. Eu bebo, e saio despencando, catando os versos que você destrói enquanto some por aí. Ando no meio do tráfego caótico na avenida mais movimentada. Eu colo declarações em todas as paredes. Salto de pára-quedas. Tiro onda de romântica. Morro de chorar. Borro minha maquiagem. Beijo outros caras na tua frente. Fumo dez cigarros ao mesmo tempo. Grito até ficar rouca. Canto as músicas mais bregas. Deito nua, na cama, esperando você – cobertor que não vem.

Eu vomito. Quebro o espelho. Tomo uma ducha gelada enquanto neva lá fora. Vou pra boate. Danço com você. Me encho de esperança. Vou ao banheiro. Retorno. Você tá com outra. Vadia! E você nem me olha, mais. Me maltrata a visão. Eu saio de mesa em mesa, fazendo pose de fácil. Jogo duro com você, e me entrego a qualquer um. Saio de lá acompanhada. Gingando. Sorrindo. Por dentro, em pedaços. Boto fogo no apartamento. E se ao menos você me olhasse.

No fim de semana, eu apareço na tua porta. Eu jogo pedras na tua janela. Perturbo a vizinhança. Falo coisas sem plano nenhum. Berro crueldades. Você me toma por desatinada. Eu sorrio sem aflição. Tua cara, na porta. Eu fico em chamas. Fico querendo descolar alguém pra dormir. Que o céu tá cinza há muitos dias. E do teu olhar, eu nem sei. Pura hipocrisia.

Porra-louca que sou, queria mais era você me sufocando. Te contaminar, com minha lucidez demente. E faço chantagens. Uso os piores truques. Furo o pneu do teu carro. Te ofereço carona. Te ensino a me amar. Você reprova. Me devora sem saber degustar. Repete o prato. Me mastiga. E eu só queria que você me engolisse, de uma vez. Pousasse teus olhos, em mim.

Me azeda, moreno. Me adoça. Viro fogueira, se você se dispuser a me acender. Te deixo domesticar meu jeito selvagem, se teus olhos mansos passarem a ser meus. E só meus! Eu acordo querendo encrenca. Invento golpes perversos. Digo que você é meu cúmplice. Te beijo a boca até você abrir todas as portas. Te destravo. Você se vicia em mim. E passa a perambular por aí, pirado. Vive um viver destrambelhado, feliz pelo meu amar incontrolável.

Viro guitarra de você, e me entrego, a cada dedilhar. Danço em teu corpo inteiro, feito bailarina. Você gosta dos meus olhos. Eu despetalo as rosas. Você xinga a exatidão da vida. Me escreve bobagens num papel. Eu danço pra você na mesa do nosso jantar. Te faço discursos longos sobre as coisas que despencam do céu sem porquê algum. Você me olha de baixo e me puxa. Me aperta. Chove lá fora. Te empurro na piscina. A gente se cola. Os pingos cantam velhas frases decoradas.

Eu volto pra sala, deito no chão. Molho a casa inteira. Vejo os insetos em volta da lâmpada. Bob Dylan no som. Você reclama dos meus gostos. Pede um jazz, com tua pronúncia de “a” aberto. Eu troco o CD. Você me olha, guloso. Me olha, sem piscar. Me olha. Teus olhos. Meus olhos. O tapete. Você afasta meus cabelos que deslizam sobre a face. Te tenho ao alcance da minha boca. Minha língua querendo provar do teu gosto. Você me pede suor, eu desenho em você dois seios, um ventre, as pernas. Poesia arranhada nas tuas costas, pelas minhas unhas, em carmin. E nos teus braços, me esqueço. O silêncio canta. O tempo, é nenhum.

Dia seguinte, manhã. Eu tomo a coca-cola, você me pede em casamento. Desfaz a ordem da música de Caetano. Você não entende nada. O bom, não é mais. Eu cato minhas roupas espalhadas pelo quarto, e resolvo que Paris é a solução. Porque talvez essa minha busca pelos teus olhos fosse pura vontade de sexo. E agora, nem me fita assim. Ou transa, ou sai de cima.

jaya magalhães viana

Um comentário:

  1. Deito nua, na cama, esperando você – cobertor que não vem.

    Pura poesia
    poesia pura

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