Acordei pela manhã bem cedo e, assim, antes de tomar café, o coração e não o cérebro dominou o meu corpo. Esses dois estão em constante batalha pelo comando.
Apesar de velho, forte e freqüentemente dono do controle, o cérebro precisa de café pra funcionar. E o coração, que pula forte como uma menina de quatro anos brincando de corda, birrenta e traquina, aproveitou que o senhor ranzinza ainda estava abatido para tomar controle de tudo.
Seguindo a voz do coração, o corpo saiu pela casa procurando fita-adesiva, laços coloridos e papel. Se mexia tão elétrico que parecia um cardume de enguia feitas de lápis-de-cor. O cérebro meio ausente perguntou para o coração presente:
- Mas o que é isso?
- Uma surpresa.
- Que surpresa?
- Um presente, ora essa. – O coração presente criança não sabe guardar segredos.
- Para quem?
- Um menino.
- Por quê? É aniversário dele?
- Não.
- Então, por que tu vais dar um presente para ele?
- Não é só pra ele. Brincaremos juntos.
- Se ele te achar boba e te fazer chorar? Nem dá pra chamar isso que você está fabricando de presente. Nota-se que és um clichê ambulante.
O cérebro devia ser mais cordial, às vezes. O coração achou melhor não ataque-cardiar, se calar e apressar por que via que o cérebro, mesmo sem café, estava se despertando. Tum-tum, ele permaneceu trabalhando, trabalhando, tum-tum, ele persistiu batendo, batendo. O cérebro, por sua vez, prosseguiu com a contestação:
- Por que você não solta uma porção de palavras bonitas e faz de conta que é inteligente?
- Porque posar de maluca sempre foi muito mais divertido.
- E é por isso que você perde tempo nesse pacote feio de conteúdo duvidoso? Você quer enlaçá-lo ou se enforcar com esse monte de fita colorida? Olha, é melhor você sossegar, ninguém vai te julgar por não querer se expor.
O coração parou de bater por um milésimo de segundo, duvidoso achando que tivesse entretido com alguma espécie de prisão ou auto-sabotagem. Mas, sem sangue, o cérebro perdeu o oxigênio e ficou tonto, e o coração pequeno, marrento e de personalidade forte como ele só, pulsou esperançoso e prosseguiu colando o papel enrolado e amarrotado envolta da caixa de figuras estranhas.
Dentro da caixa, o cérebro via que algo brilhava, porém ele não ousava adivinhar o que continha naquele engodo: Um monstro? Uma bailarina? Uma bomba de chocolate? Ou de Hiroshima?
Afinal, dessas coisas que vêm do coração, ninguém sabe o que esperar.
janaina lisboa
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